segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Ficção (novo conto)


O Livro


Prefácio (anônimo) - Cada grande cultura possui pelo menos uma obra, que varia de acordo com o período histórico e as condições sociais da época em que surge, a respeito da arte do sexo. A China possui, dentre outras, a obra de Li Yu, vulgarmente traduzida como “O Tapete de Carne”; A Índia nos legou o “Kama Sutra”; Da Arábia surgiu “O Jardim das Delícias”; Ovídio escreveu sua “Arte de Amar”; Casa Nova compilou as suas “Memórias” e, ficção ou não temos entre esses clássicos o “Don Juan”. Contudo, de todas essas obras, talvez a única que se compara ao livro do romano, em termos de praticidade e efetividade, é o Kama Sutra. E mesmo assim o manual do romano consegue ser superior, pois não se trata apenas de algumas sugestões e uma compilação de posições eróticas, mas aborda a questão de forma mais profunda e sutil. No entanto, lamentavelmente, por algum capricho do acaso, talvez antevendo os séculos de puritanismo hipócrita que viriam pela frente, a obra quase que se perdeu com o passar do tempo, restando apenas pouquíssimos exemplares, geralmente pertencendo a colecionadores e negociantes de artes.

Seu nome era Marcus Diocleciano, mais conhecido como “o romano”. Nasceu na região da Gália, cerca de 80 a.C., e muito jovem se mudou para a capital do Império: Roma. Passou lá grande parte de sua vida, mais tarde retornado a Gália. Diz-se que em Roma ele, embora plebeu, foi um homem bastante influente, conquistando amizades em altos cargos; e que, talvez por isso, ele tenha levado uma vida de libertino, se entregando com freqüência aos prazeres e excessos. A capital do império era um lugar decadente, dividido entre patrícios e plebeus. A classe dos patrícios era a mais abastada: políticos, nobres e outros da mesma estirpe. Quanto aos plebeus; eram todos os outros, dos mais ricos aos mais miseráveis; e a cidade estava cheia deles, vindos de todas as partes do império, trazendo os mais variados hábitos e costumes. Roma era um caldeirão fervilhante, pronto para entornar; a única coisa que ainda mantinha o controle em toda a loucura da sociedade era a política do “pão e circo”. Alimento gratuito e muita diversão: das corridas de bigas às sangrentas batalhas de gladiadores, a cidade tinha arenas em todos os cantos, e não só arenas, visto que a brutalidade não era o único instinto a ser incitado. Dois universos distintos dividiam a cidade: os luxuosos jardins e palácios da nobreza, e as ruas e vielas escuras da plebe; mas uma coisa esses dois mundos tinham em comum: o vício e a luxúria eram palavras de ordem. Dizem que o romano se movia com inigualável desenvoltura por esses dois universos; ao menos é o que consta em sua obra. Das mais luxuosas orgias nos palácios de senadores e magistrados, repletas de belas mulheres e belos homens, regados a vinho e musica de flautas; aos mais sombrios bacanais, nos escuros e nauseantes prostíbulos da cidade; o romano aprendia os mais obscuros segredos da luxuria, e não tardava em pô-los em prática. Dizem que entre todas as suas ocupações, e ao menos é o que consta de sua obra, o romano era também um deflorador profissional, e sobre essa arte escreveu todo um capítulo de sua obra explicando detalhadamente as mais diversas técnicas para se desvirginar uma mulher. Cumpre dizer que, naquele período, jovens e tímidas virgens não eram tidas em tão alta estima; dessa maneira os donos de prostíbulos e até mesmo algumas mulheres de família contratavam esses defloradores profissionais, para que pudessem iniciar essas jovens e tímidas virgens no caminho do amor, tornando-as experientes e aptas para agradarem os clientes ou amantes. Dentre todos esses, o romano era o mais conhecido e solicitado, por motivos que ele não deixa claro em sua obra, mas que podemos especular. Desse modo, ao longo dos anos e como um representante aplicado de sua profissão, o romano alega ter desvirginado centenas de jovens, das mais altas e das mais baixas classes; belas e perfumosas a não tão belas ou agradáveis. O que lhe conferiu toda a experiência e conhecimento a respeito dessa arte, compilados na obra que o leitor tem em mãos.

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