quinta-feira, 25 de março de 2010

Fragmento: Capítulo 4 - Sessão de Nu em Luz Natural



Aquele era o orgulho da Faculdade de Artes, a mais renomada do país; sua pérola, e um dos fatores que a permitiam ser classificada como a melhor. O jardim não era grande, não tanto quanto os de outros tipos, e de outras instituições; não tinha uma estufa e nem mesmo um lago onde nadavam cisnes. Contudo, aquele não era um jardim qualquer, como um desses onde as pessoas simplesmente passeiam, fazem seus exercícios ou apenas sentam para descansar das correrias do dia-a-dia, como em um parque público. Aquele era um jardim fechado, inspirado nos de livros de histórias. Era rodeado por muros altos, cobertos de trepadeiras, orquídeas e outras flores do gênero. Servia como uma sala de aula a céu aberto, mas, claro, era muito maior do que é, ordinário, uma sala de aula. Só era possível ter acesso a ele por duas portas, em lados opostos, ligadas por uma viela principal, contudo uma delas ficava constantemente trancada. Apenas a porta que dava para o corredor dos vestiários permanecia aberta durante as aulas. Em outras circunstâncias, poderia se dizer, tratar tal construção de um capricho de algum rico botânico, ou de um mimo, oferecido por algum sultão a sua esposa mais amada; tal o cuidado com que foi projetado, dês de a escolha das flores, plantas e árvores; até a arquitetura e decoração do ambiente, repleto de mosaicos, arabescos, estátuas e esculturas. O que ordinário se encontra em uma faculdade de artes. No centro desse jardim havia uma pequena praça de formato circular, e no meio desta, uma fonte de temática clássica: alguns amores deitados aos pés de uma ninfa portando um jarro, do qual escorria a água. Dispostos ao redor da fonte existiam alguns bancos e outras estátuas, cópias de esculturas famosas. Todo o local era cuidadosamente planejado para que, desse pequena praça, a impressão fosse a de estar em um lugar completamente diferente de uma faculdade de artes, no centro de uma grande cidade; o objetivo era levar o observador a uma viagem aos antigos bosques mitológicos, e passar a impressão de que atrás de alguma árvore ou arbusto, poderia se encontrar uma ninfa adormecida ou algum fauno brincalhão. Para tanto, todas as árvores de copas largas, jardins de rosas, margaridas e outras flores e, foram plantados em locais estratégicos, de modo a esconder os muros (cujos pequenos locais em que apareciam davam apenas a impressão de ser uma continuidade da mata), as entradas e mesmo o topo dos prédios mais próximos. Até mesmo o som da água que caía da fonte foi propositalmente articulado para abafar ao máximo possível os ruídos do mundo exterior.
De fato, não existia em nenhuma outra faculdade um jardim como aquele, era realmente uma pérola; uma obra de arte em si, que ajudava a construir a reputação que a instituição tinha, de ser a melhor faculdade de artes do país, dada a fama mítica do local que já servira mesmo como cenário para alguns filmes de época. Poucos tinham acesso a esse lugar, entre esses privilegiados, estavam os professores e os alunos do disputadíssimo curso de Pintura em Luz Natural.


“... – B ± Raiz quadrada de..., duas colheres de chá de açúcar, um tablete de manteiga, misturar tudo com a farinha e..., a soma dos quadrados dos catetos é..., π = 3,14...” Andando pelo corredor dos vestiários, o rapaz tinha uma única preocupação, constante em sua cabeça: “...A célula é composta de três partes, sendo elas: núcleo..., ir acrescentando o leite aos poucos enquanto a massa é batida..., e..., Δ sobre 2 * A, é igual a...” Que se abalou logo ao ver a linda garota de curvas esculturais, envolta apenas em um roupão de banho justo, que, semi-aberto, deixava a mostra parte dos seios arredondados; caminhar em sua direção com um ar sonolento de dríade, e entrar no vestiário feminino. O rapaz já havia estado no famoso jardim fechado, e ao ver essa garota desconhecida (que, como deduzira acertadamente, estava lá com o mesmo propósito que o seu), teve a impressão de que uma das estátuas de ninfa ganhou vida e agora estava deixando o lugar. Tal foi o efeito encantador que a beleza dela teve sobre ele, e que certamente havia tido sobre todos os outros rapazes que estavam lá; tal foi o efeito que tinha abalado sua convicção, a única preocupação em sua cabeça: “Não!” Ele, pensava, dizendo pra si mesmo: “Não! Eu não vou ficar de pau duro!” E tentava desviar o pensamento “...Levar ao forno em 90° por no máximo..., A velocidade média de um objeto em movimento é determinada pela..., Não! Eu não posso ficar de pau duro!” Todas elas deveriam estar lá, “as vadias do curso de artes”, ele pensava, “as vadias do curso de artes que haviam rido”. As mesmas que haviam rido dele, quando, acidentalmente tinha ficado de pau duro. E agora, novamente ele estava indo, para o mesmo lugar, fazer a mesma coisa. Ia por que precisava da grana, ele pensava, dizia pra si mesmo, precisava da grana... Atravessou a porta e seguiu pela viela até a pequena praça, no centro do jardim. Não olhou no rosto de ninguém. De cabeça baixa, cumprimentou o professor e deu uma rápida espiada ao redor. Os rapazes de caras desconsoladas e as garotas dando risadinhas, tentando disfarçar com as mãos. “Muito bem, vamos começar!” Disse o professor. O rapaz subiu no pequeno pedestal de mármore e, deixando cair o roupão de banho, assumiu sua postura. Não podia fechar os olhos, era obrigado a encarar as “vadias do curso” que haviam rido dele um mês atrás, e que agora se encontravam sentadas a sua frente, segurando os pincéis, protegidas atrás de suas telas. Até mesmo a ruiva estava lá, a piranha que tinha feito aquilo. “Estava frio naquele dia...” Ele tentava se consolar. “Se fosse calor elas teriam visto... Piranha... Como elas são gostosas... E essa ruiva...” Pensava, e aos poucos a raiva ia se misturando a excitação. “Vagabunda, quero ver você fazer isso hoje, ficar cruzando as pernas, abrindo essas pernas pra me mostrar a calcinha... Não! Eu não vou ficar de pau duro! Eu não vou ficar de pau duro!...” E pensando assim, não conseguiu resistir a tentação de olhar nos olhos da garota ruiva a sua frente... “Se eu te pego de jeito você vai ver sua vagabunda, vou botar até o talo pra você gritar...” E nesse instante ela também olhou pra ele, mordendo os lábios de um jeito propositalmente provocante, abrindo as pernas suavemente... Os rapazes desviaram os olhos, alguns debochando, as garotas não conseguiam mais conter o riso. “Vamos parar com essa palhaçada!” O professor gritou, entregando o roupão de banho ao modelo, completamente constrangido. Outra vez ele estava de pau duro.


Ela era assim, brincalhona, às vezes até inconseqüente. Quase que completamente irresponsável. Mas os seus pais nunca negaram, e nem os professores se furtavam em dizer, ela era uma garota muito talentosa, e dês de muito cedo tinha mostrado isso. Filha única de pais burgueses, Alexa sempre fora pressionada a seguir na vida os caminhos que os pais escolheram para si próprios mas nunca tiveram a oportunidade de trilhar. O pai sonhava em ser médico, ser chamado de Dr., e, embora rico, dono de uma empresa com dezenas de funcionários, nunca havia sido chamado pelo título de Dr.; sempre patrão, chefe, senhor, mestre... Mas nunca Dr. E se culpava pela falta de estudos, nunca havia cursado uma universidade. Construiu sua fortuna com muito suor, e uma boa ajuda do sogro. A mãe, filha de uma família de latifundiários, sonhava com a fama; estudou piano ainda quando garotinha e mais tarde ingressou em um conservatório, contudo, não tinha o talento necessário para ser uma grande concertista. Fez algumas apresentações e viajou durante um tempo com a orquestra, alcançou uma fama relativa, e foi em uma dessas viagens que conheceu o homem que viria a ser o seu futuro marido, com o qual teria uma filha, e pela qual abandonaria a vida de musicista. Alexa tinha o que ambos não tiveram, a inteligência e as condições para se tornar uma Doutora, e o talento para ser uma grande concertista. Mas, diferente do que se observa em muitas outras famílias burguesas, nenhum dos pais realmente persistiu com empenho em moldar a filha a sua maneira. Pelo menos não até verem o talento que ela demonstrava para as artes, em especial a pintura. Foi assim que ela ingressou na maior faculdade de artes do país (não até aprender a gerir os negócios familiares; desejo dos pais), e realizava o tão concorrido curso, cujas aulas se ministravam no jardim.



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