domingo, 2 de agosto de 2009

Três Minutos

E ae, vai na balada? Jah eh! “Karen conversa” É o que aparece piscando em azul na barra de ferramentas. O garoto maximiza a janela do Messenger e nota que Karen colocou a foto dela. Vc eh gatinha msm. Espera alguns segundos, “Karen está digitando uma mensagem”, minimiza a janela e separa as outras três que estão abertas na área de trabalho.Vlw mano! Teh mais. Vlw parcero. Fecha uma das janelas. “Vivi conversa” ...naum sei, tou na duvida. Pow, Koeh gatinha, entaum me dah o seu numero ai. Minimiza. Novamente o som familiar, na barra de ferramentas “Karen conversa”. Clica na janela. Sou nada. Pra mim vc eh d+. J. Lúcia já não responde há algum tempo, deve ter saído. O garoto fecha a janela dela. Volta os olhos para o canto inferior direito do Desktop, ainda restam sete minutos e meio. De algum lugar chega uma voz quase inaldível, e mesmo sob as intensas marteladas das guitarras e bateria da Slipknot, nos fones de ouvido ensurdecedores, a frase consegue fazer algum sentido. Entra no CS aeh! Vacilão! Sem desgrudar os olhos do brilhante monitor de LCD, que naquele ambiente escuro parece adquirir um brilho azul ainda mais intenso, o garoto murmura automaticamente. Counter Strike é o caralho! Maximiza outra janela. O guerreiro solitário desfere seus golpes de espada contra as criaturas da planície de Mu; sua vida se esvai, mas um gole da poção de Healt pode lhe restituir as forças. Dois monstros caem mortos aos pés do bárbaro, que recolhe seus espólios, e com a experiência adquirida sobe para um nível mais elevado na categoria, agora sua armadura ganha asas e ele pode se mover com maior velocidade pelo mapa e ir enfrentar os seres dos desertos de Valtar. Ctrl + R, e o guerreiro inicia sua longa jornada. Minimiza a janela do RPG. “Karen conversa”, Pow, me add lah no Orkut. Jah eh! Vou ter q sair, depois eu volto. Vlw, bjs gatinha : ). O garoto enxuga uma gota de suor que escore em sua testa. O ar não está funcionando, mas ele nem se dá conta disso. Clica em Vivi. Pow! kd vc? Fecha. Olha para a barra de ferramentas. Duas janelas piscam ao mesmo tempo. “Vivi conversa”. “Lúcia conversa”. Outras tês janelas do navegador ainda estão minimizadas na barra, uma do Youtube, que carrega um clipe do korn; uma de um site pornô e outra de um desses baners que ficam abrindo automaticamente. Seus olhos se dirigem novamente para o canto direito. A contagem agora está em cinco minutos e meio. Clica em Vivi e lê. Foi mal, tive q ver o q minha mãe queria. Tah tranqüilo. Vou te dar o meu Cel... Passa aeh... “Vivi está digitando uma mensagem.” Maximiza a janela do Jogo. O guerreiro, agora em sua armadura alada, desfere os golpes automaticamente. F5. O jogo está sendo salvo. Clica em Lúcia. Sob o som estrondante do Korn o garoto ouve um estalo que não faz parte da música. Mais dois estampidos. O monitor apaga e os fones de ouvido ficam mudos. Aos poucos a imagem de um personagem de anime grafitado na parede negra vai tomando formas. O silêncio é quebrado por uma voz que grita. Pega logo essa porra e vamo! Anda! A porta se fecha. No chão uma mancha rubra se forma ao redor da cabeça do dono da Lan, que está caído de uma forma esquisita; e o cheiro da pólvora toma conta do lugar. Tudo isso ocorre nos três segundos que a mente do garoto leva para sair do mundo digital. Ele olha para o lado e vê que um dos disparos atingiu o gabinete da máquina que estava usando. Gira a cadeira e murmura transtornado. Puta-que-pariu! Ainda tinha três minutos! E diz em voz alta para si mesmo. Ainda bem que eu salvei o jogo!

Um comentário:

  1. Neste conto eu tento explorar a linguagem usada em Chats, MSN e afins, como recurso estético. Em oposição ao conceito ainda corrente de que essa forma de escrita é uma deturpação de nossa Língua, tento me apropriar dela do mesmo modo com que muitos autores se utilizam das variantes regionais do Português. Acredito que esta é mais do que apenas uma variante da língua com um uso determinado, pois, deslocando essa função para o campo da arte, percebe-se que ela tem a oferecer um rico espectro de recursos literários. Quanto ao desfecho da narrativa, aplico o conceito da banalização da violência, muito usado na estética contemporânea do hiper-realismo.

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